
O retrato da natureza humana
Autor: Oscar Wilde | Editora: Folha de S. Paulo | Páginas: 174
Lançamento: 2016 | Tradução: Jorio Dauster | Edição: por Nicholas Frankel, 2011
1ª Publicação: 1890 | Gênero: ficção gótica, drama, terror, romance filosófico
Como seria para você encarar todos os seus pecados esboçados em uma tela à óleo? Imagino reações distintas para diferentes tipos de pessoa: dor, medo, tristeza, até mesmo prazer. Mas afirmo que para todos tal sensação seria indescritível. E esta é a proposta encontrada nesta obra com pinceladas surpreendentemente frescas sobre o comportamento humano, que ouso dizer ser ainda mais atual nos dias de hoje do que no longínquo ano de seu lançamento. Sendo este o único romance assinado pelo cativante e polêmico Oscar Wilde, nos transporta à sua tão conhecida alta sociedade inglesa do século XIX, onde todos vivem de suas aparências e dividem suas transgressões apenas com os amigos mais íntimos e de total confiança.
Em suas primeiras linhas encontramos Basil Hallward, um pintor excêntrico que acaba encontrando inspiração — e uma sincera e incomum admiração — no jovem Dorian Gray, que ao ingressar nos compromissos da elite vitoriana, imediatamente começa a chamar atenção por sua beleza e doçura angelicais tão incomuns. Em uma de suas tardes no ateliê de Basil, Dorian conhece Lorde Henry Wotton, adepto fiel do hedonismo (doutrina de dedicação ao prazer como estilo de vida) , que se torna o um de seus maiores influenciadores, e o leva para caminhos distantes dos quais estava acostumado sob a influência de Basil. Por ele lhe é apresentado um lado mais obscuro da sociedade, este regado pelos prazeres momentâneos e pela vaidade.
Desta forma Dorian finalmente consegue enxergar sua verdadeira forma com clareza, imediatamente sua beleza se torna tão evidente quanto a certeza de o tempo será sempre o seu maior vilão, a cada segundo mais próximo de o separar dela. Então quando Basil termina sua obra prima, um quadro de corpo inteiro de Dorian, o rapaz admira e se apaixona pelo seu próprio rosto e se vê invejando seus traços que ficarão ali para sempre imaculados. E é neste momento em que Dorian suplica com toda a sua força que o quadro sofra e absorva todos os efeitos do tempo, para que ele permaneça jovem e belo para sempre, e tal desejo lhe é concedido e à partir daí a história se desenrola de uma forma espetacular.
Admito que minha experiência com esta história foi um pouco mais complexa do que pensei que seria. O autor nos cativa rapidamente com dilemas morais e diferentes formas de se enxergar a existência humana. Basil e Lorde Henry se tornam um perfeito contraposto em meio a história de Dorian, que figura perfeitamente como uma metáfora entre bem e mal, certo e errado. Acredito que haja muito do autor em cada uma das páginas deste livro e suas metáforas são a maneira perfeita que encontrou para passar seus posicionamentos — estes convenientes a sociedade vitoriana ou não.
A ambientação obscura característica de ficções góticas, como a que Mary Shelley nos apresenta em Frankenstein, também contribui perfeitamente para os debates filosóficos internos que a obra nos proporciona. Inclusive confesso houve dias em que demorei a dormir submerso em pensamentos à respeito dos simbolismos de Wilde. O desfecho surpreendente de Dorian também nos faz refletir sobre arrependimento e redenção. E todos esses componentes muito bem orquestrados por Oscar Wilde fez esta obra entrar para a lista de favoritos da vida, e que prova que clássicos podem ser perfeitamente atuais, trazendo ensinamentos extremamente relevantes aos dias de hoje.
Como um extra, vou falar um pouco sobre os anos mais polêmicos — e nem de perto menos interessantes do que sua obra — da vida de Oscar Wilde. Nascido em Dublin, na Irlanda, Wilde viveu boa parte de sua vida lá, até ganhar uma bolsa de estudos em Oxford, onde começou suas atividades como escritor. Rapidamente, pelo seu estilo extravagante e educação incomparáveis, se destacou como um dos maiores nomes do esteticismo ( devoção à beleza ou ênfase nela ou no cultivo das artes) , fazendo inclusive uma turnê na América do Norte para divulgar suas ideias. Em 1886 casou-se com Constance Lloyd, também escritora, com quem teve dois filhos.
Em 1890 publicou a primeira versão de O Retrato de Dorian Gray periodicamente em um revista mensal, onde a obra foi censurada sem o seu conhecimento. Que mesmo apesar dos cortes, foi alvo de diversas críticas que a apontavam como uma ofensa a moralidade. Em 1991, após uma revisão, foi republicada em forma de romance com 20 capítulos. Em 2011 Nicholas Frankel, baseando-se nos manuscritos de Wilde, publicou uma versão em 13 capítulos livre de qualquer censura — a qual me refiro nesta resenha.
Wilde era uma figura muito conhecida e tinha a vida social muito agitada em Londres, porém também mantinha algumas de suas atividades em segredo: suas relações homoafetivas fora do casamento, hoje em dia tão conhecidas e comentadas. Dentre muitas a mais famosa delas foi seu affair com o jovem Lorde Alfred Douglas, 15 anos mais novo, que se tornaria a ruína do autor.
Alfred era o filho mais rebelde de John Douglas, o Marquês de Queensberry, e tinha um comportamento um pouco mais aberto a respeito de sua sexualidade do que a sociedade vitoriana poderia suportar. Seu pai abominava seu relacionamento com Wilde, tanto que um dia resolveu deixar um bilhete ofendendo o autor, chamando-o de sodomita, ao saber daquilo Alfred convenceu Oscar de que deveria abrir um processo contra o pai por difamação. Mas as coisas não saíram como o esperado, John, usando de sua influência, conseguiu desenterrar informações comprometedoras sobre o autor que serviram, juntamente com seu próprio livro, como peças de acusação para condená-lo por “flagrante indecência”.
Em 1895 (ano que marca com a prisão de Wilde o fim do esteticismo) foi condenado a pagar dois anos de prisão e trabalhos forçados. Wilde não fugiu ao contrário do que todos, inclusive sua esposa, aconselharam, e cumpriu seus anos de prisão. Tanto Constance quanto os filhos deixaram a Inglaterra e abandonaram o sobrenome de Wilde. Quando terminou de cumprir sua pena, já com a saúde e o psicológico debilitados, Oscar se mudou para a França onde sobreviveu com o auxílio de amigos até morrer em 1900. Um triste fim para uma alma com tanto a compartilhar com o mundo sendo tão à frente de seu tempo. Oscar não tem apenas a minha sincera admiração como escritor, mas também como pessoa por toda a sua trajetória e indico fortemente uma pesquisa sobre sua vida e obras.
O icônico Oscar Wilde deixou em vida dezenas de obras dentre peças, contos e livros. Incluindo uma carta à Bosie, apelido de Lorde Alfred Douglas, que foi publicada em diferentes versões após a sua morte. Sua genialidade permanece cativando e inspirando ao redor do mundo.
“Se simplesmente fosse o contrário! Se eu permanecesse jovem para sempre, e o quadro envelhecesse! Por tal coisa — por isso — eu daria tudo! Sim, não há nada no mundo que eu não desse!"
Resenha por: Jonathan Chagas
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